• Em aramaico (e também no Hebraico, Noach) Nuk’h, o termo que designa o personagem Noé, significa repouso, calma, ou serenidade. Sempre que o texto bíblico se refere a Noé e sua história, à luz da interioridade está falando deste aspecto de nossa consciência. O dilúvio, por sua vez, não é necessariamente uma catástrofe climática, como uma chuva de dimensões abundantes. O termo Nabal foi traduzido para dilúvio, mas em verdade significa “colapso”. O colapso descrito na porção de Noé pode ser qualquer acontecimento interno, relativo às nossas emoções (e note que a água, em muitas tradições, está ligada, entre outras coisas, às emoções), que seja capaz de promover uma ruptura de tal magnitude, impactante a ponto de nos desestabilizar. A leitura desta porção com a lente da Cabala nos revela os códigos que existem em cada descrição desta história, e nos conta o que significam tanto Noé, dentro de nós, quanto sua esposa e filhos, a Arca, os animais que foram chamados para a aventura de salvar a criação, e os acontecimentos que permearam a experiencia do dilúvio. A leitura literal do texto descreve a história de Noé, tal qual a conhecemos. A interpretação deste texto a partir da linguagem original e de seus significados nos ensina sobre um de nossos aspectos internos mais fundamentais. Nuk’h representa a qualidade interna do nosso estado de serenidade diante do caos. A capacidade de nos mantermos serenos, estáveis, frente às situações mais caóticas que possam existir. No texto Bíblico há 54 porções, uma para cada semana. Neste momento, no Calendário da Cabala, estamos sob a energia desta porção, que sempre é lida nesta semana em que estamos, correspondente à lua nova do mês de Escorpião (Akrav, em aramaico, que significa entre outras coisas, guerreiro, combatente). “Quando falamos de Nuk’h estamos falando do potencial de serenidade que existe em todo o ser humano. O mais angustiado, o mais ansioso, mais inquieto de nós possui Nuk’h dentro de si. Pode estar esquecido, negligenciado, mas ele existe como potencialidade dentro de nós. E já desde logo podemos entender que a serenidade é o que nos salva de nos afogarmos nos colapsos da vida. A expressão Nabal, que foi traduzida como dilúvio, significa colapso, qualquer situação que pode acontecer, como rupturas, perdas, guerras, doenças impactantes, tudo o que afeta nossas vidas tem relação com este colapso. Os fenômenos climáticos também podem produzir colapsos na estrutura social, do bem estar da humanidade, mas o colapso ao qual o texto se refere também inclui os abalos psíquicos, relacionais. A serenidade, Noé, é o que nos salva de nos afogarmos nos colapsos da vida. Esta porção nos conduz à serenidade diante do caos. Essa semana traz esta reflexão, este entendimento de preservação da serenidade diante do caos. E Noé é a força arquetípica representativa desta serenidade. Nuk’h representa um estado de consciência que cultiva a paz interior, mesmo em meio ao colapso. Ele simboliza o arquétipo daquele que, cercado pelo desvio e pela escuridão do mundo externo, encontra um caminho para caminhar em aliança com a Luz Infinita. A geração do tempo de Nuk’h era uma geração que estava envolvida por situações de desvio e de escuridão. O desvio é uma atitude que corrompe a essência do ser humano. E qual era o desvio? Os antigos ancestrais nos alertaram sobre isto. O desvio da geração de Noé era um só, as pessoas começaram a viver no egoísmo, no extremo de um egocentrismo onde predominava a ideia de o que é meu é meu, e o que é seu é seu. Foi isso que colapsou a geração de Noé. Algumas pessoas poderiam se perguntar se esta crença não é de fato correta, porque o mesmo desvio que existia na geração de Noé existe hoje, por isso estamos vivendo situações de colapso, desde desequilíbrios climáticos à guerras. Mas a sabedoria espiritual nos ensina que o ápice da maturidade humana é quando entendemos que o que é meu é seu e o que é seu é meu, quando os meus problemas se tornam seus problemas e os seus problemas se tornam meus, quando a minha alegria se torna a sua, e a sua alegria se torna a minha. Essa é a compreensão lúcida, a que devemos almejar, porque ela faz parte da essência do ser humano. Noé foi considerado insano em sua época pois ele não pensava como as pessoas de sua geração. E a escuridão? A escuridão é ignorância. O desvio é quando eu erro. A escuridão é quando eu não sei que estou errando, e ainda suponho que estou acertando, ou quando eu sei que estou errando mas não quero arcar com a possibilidade da correção, ou porque vai me dar muito trabalho, ou porque vai me tornar impopular, ou porque vai mexer com as estruturas da minha vida. Isso é a escuridão” (…) Nuk’h, Noé, ensina que a serenidade é uma escolha ativa. Nós não podemos ver a serenidade como uma consequência de que tudo está bem. Isso não é serenidade. Serenidade é uma escolha ativa, eu escolho a serenidade, é o compromisso com a paz que deve ser cultivado e mantido, sobretudo nos momentos de conflito. Na sabedoria cabalista o caos pode ser interrompido pela consciência e pela responsabilidade de cada indivíduo. Quando eu adquiro consciência, quando eu passo a trazer à tona, para a superfície, aquilo que estava consciente em mim, nessa hora eu estou interrompendo o caos, e ao fazer isso, se eu assumo a responsabilidade sobre isso que eu trouxe à tona, sobre essa compreensão a respeito de mim mesmo, e tomo responsabilidade sobre isso, eu interrompo o colapso, eu consigo intervir no colapso. Nuk’h personifica essa serenidade ativa, onde se age a partir de escolhas conscientes, e não de reações impulsivas. A busca pela causa de todas as coisas, é o ponto central dos cabalistas, que vão encontrar na Luz Infinita a origem de toda a realidade, seja ela doce ou amarga. A Luz Infinita transcende os nossos conceitos de bem e mal. Se revela como uma fonte de sentido e de potência. Tudo que emana da Luz Infinita faz sentido e emana potência. E ai eu pergunto, o que não emana da Luz? Nada. Tudo emana da Luz, que é a causa de todas as causas. A única coisa em que a Luz não interfere, que é a esfera limitada do nosso arbítrio, é como nós vamos lidar com o que nos chega. (…) Essa serenidade de Noé não uma serenidade passiva. O justo é calmo, mas não é manso. Ele é ativo e age, ele se mostra. Ele faz um movimento interno para que isso seja visto do lado de fora. Ele age com sobriedade, estabelece fins claros, preservando a harmonia sem se deixar dominar pelo caos. Na Cabala Ancestral, o equilíbrio entre o desejo de receber e o desejo de compartilhar é a chave para dissipar o vazio e o caos. Quando a gente fala em justo, é nisto que estamos falando, alguém que conseguiu equilibrar o desejo de receber e o desejo de compartilhar. Esse estado de Nuk’h, estado de serenidade, convida o ser humano a transcender o medo, encontrando a sua paz interna na conexão com a causa maior. O verdadeiro repouso não é ausência de desafio, mas a capacidade de ancorar-se na Luz, em meio às adversidades, usando o caos como oportunidade para reafirmar o seu compromisso, sua coragem, sua resistência. A porção de Nuk’h, Noé, nos leva a desenvolver um estado de serenidade ativa diante do caos. E na Cabala Ancestral esta serenidade não é fuga, mas uma forma de repouso interno, uma paz assertiva que transcende os desafios e transforma o problema em crescimento. E este caminho exige o cultivo contínuo de um estado de espirito sereno que nos permite perceber a realidade com clareza, para atuar dentro de um centro equilibrado. O desenvolvimento espiritual começa em nosso cotidiano, quando a gente traz Luz às pessoas ao nosso redor. Não mudando os outros, mas transformando a nós mesmos, para que nós mesmos sejamos luz na escuridão. Levar luz para as pessoas consiste em contribuir para gerar o que a Luz gera, entendimento e potência, fortalecimento. Cada um de nós deveria ser um agente propagador do saber, gerando para os demais mais entendimento e compreensão. E gerando para as pessoas desejosas disto mais potência, mais fortalecimento. Para a Cabala Ancestral o caos no mundo é uma extensão da nossa instabilidade interna, resultado dos medos, das inseguranças, das desconexões com a Luz Infinita. Quando falta harmonia em nós, o mundo reflete essa desordem. Cultivar essa serenidade contemplativa de Noé é uma prática intencional, uma escolha constante. Não é resultado de alguma coisa, é a causa de muitas coisas. A serenidade é o escudo do cabalista, permitindo ver além das aparências. A verdadeira vitória contra o caos está na conquista de nós mesmos, cuidando do que está próximo. Essa é a maneira mais direta de trazer Luz para o mundo, pois a transformação começa na esfera intima e se expande como uma onda. (Ena Shamaena de Mario Meir em aula sobre a porção Nuk’h, Noé, proferida nos Códigos da Bíblia em 5784)

  • Para os cabalistas, o coração é a sede da consciência. É no coração que o entendimento sobre a vida e tudo que a envolve nasce e se transforma. É no coração que a sabedoria se instala. E a sabedoria não é erudição, é muito mais profunda do que aquilo que aprendemos através do estudo, da cultura, da instrução. A letra do Alfabeto Aramaico que representa a sabedoria é a letra Bit (heb. Beit), que tem a forma de um machado porque ela nos atravessa em cortes, através da ruptura de velhas certezas, de convicções que nos cristalizam, que nos paralisam e que interrompem o fluxo de uma vida que quer florescer. A letra Bit é a primeira letra do texto bíblico, que começa com a expressão BaKadmon (em hebraico Bereshit, com a letra Beit). A última letra do texto é a Lamad, da palavra Iashael (em hebraico Lamed, de Israel). Quando juntamos estas duas letras temos a palavra Lebá (hebraico Lev), que significa coração. Todo o texto bíblico, que nos instrui de forma profunda sobre os códigos da existência, está entre as letras que formam a palavra coração. É no coração que devemos gravar a sabedoria, é no coração que brota a capacidade interpretativa da vida. A união das letras Bit e Lamad também forma a expressão Bal, que quer dizer insignificância, algo sem importância. Uma vida plena consiste em conseguirmos distinguir aquilo que deve ser colocado para dentro do coração e aquilo que é insignificante para permanecer dentro dele. Para os cabalistas, a primeira letra que começa o texto bíblico é a letra que dá início à criação, à formação do Universo. E, no caso da palavra BaKadmon, a primeira palavra do texto bíblico, é a letra Bit (heb. Beit – Bereshit). Esta letra é a semente de tudo, assim como a última letra do texto, que é a última letra da palavra Iashael (Israel), é a Lamad (heb. Lamed). A primeira e a última letra têm uma importância fundamental. É como se estivesse dito que todo o texto, que é um grande código que fala sobre a nossa vida, está entre estas duas letras. Entre a letra Bit e o último Lamad, está todo o texto bíblico, e nós sabemos que este texto é a história da existência humana, é a nossa história. Para os cabalistas, a razão que determina o fato de o texto começar com a letra Bit, diz respeito ao significado desta letra. Este significado foi explicado pelo patriarca Abraão, no Livro da Formação, escrito há mais de 3.800 anos. Neste livro, ele nos ensina sobre os atributos associados a cada uma das 22 letras do alfabeto aramaico. E a letra Bit é a Sabedoria. O texto bíblico começa com esta letra, porque a humanidade precisa iniciar qualquer coisa pela sabedoria. É a sabedoria que nos faz iniciar qualquer coisa em nossa vida: uma sociedade, um casamento, uma relação, um caminho novo, uma nova casa, qualquer coisa. Mas o que é sabedoria? Sabedoria não tem a ver com instrução; sabedoria não é erudição, não é cultura, nem retórica. Todas estas coisas são conhecimento, mas não necessariamente sabedoria. Esta, pode estar presente na pessoa mais inculta possível, que mesmo sem nunca ter tido acesso à cultura, por exemplo, pode ter uma grande sabedoria. Para a Cabala, Sabedoria é a compreensão de que todas as coisas estão interconectadas, a percepção de que tudo está integrado; este é o significado da sabedoria. Como eu sei se eu estou usando a sabedoria? É quando eu olho para a vida e vejo as coisas interconectadas. Quando eu percebo que tudo está interligado, eu recebo o acesso à sabedoria. Se ainda percebo as coisas separadas entre si, é porque ainda não alcancei a sabedoria. Mas esta sabedoria é uma construção, uma construção de mudança de visão. Não chegamos à sabedoria por ouvir falar sobre ela, nós a alcançamos através de uma mudança de visão, uma percepção do mundo e das relações. Somente através do estudo e da instrução é que é possível obter sabedoria. Não há outro jeito. Não se nasce com ela, não se “recebe” ela de alguém, ou a partir de algum ritual. A sabedoria vem através de uma lapidação, uma instrução. E essa lapidação vai removendo aquilo que atrapalha a nossa visão da sabedoria. Essa é a razão pela qual a letra Bit, originalmente tinha a forma de um machado. A sabedoria é um machado, porque ela vai removendo as cascas que nos impedem de perceber a verdade, a conexão entre as coisas, e como elas estão interconectadas e interdependentes umas das outras. Há muitas cascas que nos impedem de ver isto, e para poder remover a ilusão da nossa percepção, precisamos do estudo, disto que estamos fazendo. O estudo é a base da criação, e também a base do renascimento. Por sua vez, o fato de a última letra do texto ser a letra Lamad (Lamed), também traz uma mensagem. Se nós unirmos estas duas letras, a primeira e a última letra do texto, Bit com Lamad, teremos uma palavra em aramaico que se chama Bal, que literalmente é insignificância, algo que não tem importância. Se invertermos a ordem destas letras, Lamad com Bit, formamos a palavra Leba (Lev), que quer dizer coração. Para os antigos cabalistas, o coração é a sede do nosso entendimento, da nossa compreensão e da nossa consciência. A consciência não reside no cérebro, ela reside no coração. O cérebro rege os movimentos autônomos e automáticos de nosso corpo e de nosso pensamento. A consciência, a percepção, a sensibilidade, elas derivam do coração. Isso quer dizer que a Sabedoria maior consiste em fazer a distinção entre o que é insignificante, aquilo que não tem importância, e o que é para botar no coração. A vida fluindo em plenitude só acontece no momento em que conseguimos adquirir a maturidade de saber o que estamos colocando em nosso coração e que não tem sentido. Algumas angústias, algumas preocupações, dúvidas paralisantes, alguns vícios, algumas palavras, alguns conceitos, alguns modelos relacionais, ou uma atenção que colocamos excessivamente em alguma coisa, e guardamos em nosso coração. Nós perdemos muito tempo e muita energia, perdemos a força da criação, quando começamos a colocar dentro de nosso coração coisas que não deveriam ser ali colocadas. Isso já é o início, o passo inicial: perceber o que temos colocado para dentro de nosso coração; alguns ódios, algumas rupturas, algumas mágoas, algo que alguém falou e que tenha nos ofendido. Nutrimos isto em nosso coração e assim perdemos a força da criação, perdemos energia. A sabedoria irá distinguir aquilo que merece e aquilo que não merece o nosso foco, a nossa atenção. Muita coisa surge em nossa vida para retirar nossa energia, não faltarão estímulos e seduções para isso. Mas através da nossa capacidade de fazermos escolhas, de discernirmos, com o nosso mérito, conseguimos entender e só colocar em nosso coração aquilo que for relevante. Leba também pode ser dividido em Le, que significa “para”, ou “em direção a” e Ba, que significa “dentro”. A expressão Le Ba quer dizer “para dentro”; o coração é aquilo que eu coloco para dentro. A sabedoria, portanto, é saber fazer a distinção entre insignificância e consciência.”  Ena Shamaena de Mario Meir em aula sobre a porção BaKadmon/Bereshit

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    Na imagem, obra Dancer de Juan Miró, 1925.

  • Nahira representa um estado de contração e Ziwa um estado de expansão. Estas são as duas forças reguladoras da estrutura interna do ser-humano, e, não por acaso são também as duas forças reguladoras da natureza, do cosmo. Dentro da visão da Cabala, nós usamos a compreensão da cosmogênese, de como o cosmo se formou, para também compreender a formação da estrutura psíquica do ser-humano. E a estrutura psíquica do ser-humano se regula quando este processo de contração e expansão encontra um ritmo equilibrado. Na perspectiva cabalista, estes são os dois padrões de energia que organizam o funcionamento do Universo. Estes conceitos simbolizam os fluxos essenciais de contração e expansão que permeiam todos os aspectos da existência. Nahira é uma expressão que deriva da junção da palavra Na, que quer dizer “luz” e Hira que quer dizer “contração”. Representa a energia feminina, a energia introspectiva, que contrai, que concentra, representando então um estado de contração. Já o termo Ziwá significa literalmente avanço, simboliza a energia masculina, a energia expansiva, que projeta e desbrava. Quando falamos em energia masculina e feminina não estamos falando de gênero, mas de estrutura psíquica que habita em todos os seres-humanos, homens e mulheres. Juntos, estes dois padrões, o padrão de expansão e o de contração, compõem os ciclos de mutação que regem a vida e o cosmo. Os ciclos de Nahira e Ziwá ilustram o movimento constante e inevitável da existência. Ora nós estamos em expansão, ora em contração. A maturidade emocional, espiritual, consiste em não lutar contra a correnteza, ou seja, nos momentos em que eu estou em uma energia mais contraída, procurar fazer coisas saudáveis desta contração; nos momentos em que eu estiver em uma energia mais expansiva, procurar fazer coisas saudáveis desta expansão. Alcançar este equilíbrio, este discernimento, e sobretudo esta sensibilidade, para saber em que momento estamos vivendo, é fundamental para alcançar esta maturidade para que haja um pleno desenvolvimento, e um pleno crescimento de natureza espiritual. Cada transformação encerra um convite à reflexão e à aceitação, ou seja, quando chega para mim o movimento de contração, e às vezes chega na minha vida, às vezes chega no meu biorritmo, às vezes chega na sociedade. Há momentos na humanidade que são de contração, há momentos de expansão. E cada ciclo deste é um convite a uma reflexão, e também a uma aceitação. Aprender a receber estas fases de uma forma madura. Para os cabalistas, a sabedoria emerge ao abraçarmos estas mudanças com serenidade. Se nós ficamos completamente mergulhados somente na necessidade de expansão, de ir para fora, isso provoca um estado de furor, um estado disruptivo, de desequilíbrio, de perda da estabilidade, do eixo que nos estabiliza. Uma pessoa que só vive em função da necessidade de expansão, ela está sempre tentando buscar nas coisas a validação de quem ela é, no outro a validação e quem ela é. E isso pode ir para um caminho muito perigoso, como agressividade, ciúme, eu quero que o outro me valide, eu preciso que o outro me valorize para que eu não me perca de quem eu sou. Aquele que vive em excesso de contração, até quando a vida exige expansão, vive uma vida presa na neurose, um excesso de travamento, vivido numa vida defensiva, de uma sobrecarga de regras que ele mesmo impõe sobre si mesmo, ou que ele vai buscar na sociedade, para controlar ele e o entorno. O excedente da expansão e da contração sempre irá produzir algo de natureza desequilibrada no campo psíquico. Então é muito bom dentro do processo de autoconhecimento, a gente procurar estabelecer este equilíbrio. Nada entra em estagnação. Na natureza não há estagnação. Cada final de um percurso é o começo de um novo percurso. Cada final de uma contração solicita um momento de expansão. Cada final de momento de expansão solicita um momento de contração. Quando um ciclo chega ao fim inevitavelmente ele prepara o terreno para o próximo, que é o ciclo oposto. É assim na história humana, na história psíquica, na história da sociedade, da natureza. Trata-se de um fluxo de continuidade que reside na eternidade. Eternamente este fluxo estará em constante produção de expansão e contração. A maturidade consiste em saber que no momento em que eu estou em processo de expansão, eu sei que daqui a pouco virá um processo de contração, e eu não crio, não cristalizo, não me engesso em uma expectativa de que esta expansão durará para sempre. Maduro é quem consegue alcançar esta compreensão. No momento em que eu estiver em uma contração, seja por conta da minha própria natureza interna, emocional, que eventualmente se contrai, ou seja por uma pressão interna, uma crise, ou como recentemente em que vivemos uma pandemia onde a contração foi imposta, eu preciso saber que toda a contração antecede uma nova expansão, para que eu não me deprima, para que eu não entre em processo endurecido, entristecido em relação à vida. E muitas vezes passamos por uma contração imposta pelas circunstâncias, pelo destino, que dura um certo tempo, e a gente se cristaliza, se eterniza na contração. A vida já não está mais pedindo contração, aquela pressão que estava nos oprimindo já não existe, mas a gente acaba se viciando no processo de contração e acaba se encolhendo, se retraindo diante da vida, e isso vai gerar angústia e sofrimento. Observar e respeitar os ciclos naturais da vida é uma prática que traz serenidade e evita o desequilíbrio. Quando a energia atinge o ápice, ela inevitavelmente retorna ao seu ponto de origem. Isso é uma regra natural. O fogo que arde intensamente se extingue, os mares alternam entre turbulência e calmaria, o sol acende mas também declina, e isso produz um processo cíclico, o dia, a noite, o calor, o frio. Estas alternâncias representam o próprio ritmo da vida. Isso também acontece dentro do campo emocional. Eu não posso me permitir cristalizar dentro de um padrão, seja ele expansivo ou explosivo, contraído ou atrofiado. E não posso também permitir que eu me torne isso para sempre. Esta alternância compõe o ritmo da vida, vitórias, derrotas, entusiasmo, melancolia, todas estas coisas fazem parte da dinâmica da vida. Existe uma alegria na contração, e existe uma alegria na expansão. Quando compreendemos e aceitamos estes padrões, conseguindo trazer alegrias que são cabíveis a cada um destes padrões. Na alegria da expansão eu vou rir, vou sociabilizar, dançar, receber pessoas, mas existe a alegria da contração, que é a alegria do silêncio, da quietude, de ler um livro, ouvir uma música, meditar. É preciso viver as alegrias de cada ciclo. Do ponto de vista da alma não é saudável quando eu só fico bem, seja na expansão, seja na contração. O reconhecimento dos ciclos naturais permite uma evolução espiritual mais profunda. Quando a gente aceita que tudo na vida é transitório, quando começamos a entender e perceber o caráter inevitável dessa afirmação, de que tudo é transitório, desenvolvemos uma postura mais resiliente diante dos desafios e das adversidades que vão surgir inevitavelmente. E essa aceitação não significa passividade, não significa resignação, mas é um alinhamento com o fluxo natural das coisas. Quando reconhecemos que cada momento de baixa energia ou desanimo é uma fase temporária nos tornamos mais aptos a planejar as nossas rotinas, os nossos ciclos de trabalho. Por exemplo, compreender o padrão de altos e baixos energéticos ao longo do dia nos dá a capacidade de ajustar as nossas atividades. Em momentos de baixa energia é fundamental acolher o descanso, permitindo a recarga emocional e espiritual, e estes intervalos de pausa não só preservam a nossa vitalidade mas renovam a nossa disposição para os desafios. Eles produzem potência no ser humano”. (Ena Shamaena de Mario Meir em aula proferida na vivência chamada Kidin – Imagem do Oráculo de Maria Madalena, feito com base em seu Apócrifo, pela Academia de Cabala).  

  • Um dos elementos que diferencia o estudo da Cabala quando ele é vivido dentro da ótica da sua abordagem mais ancestral, é a linguagem. Não somente a linguagem falada, mas todo o tipo de vivência e de experiência que aquele que se dedica a conhecê-la pode acessar. A Cabala, de um modo geral e em especial a Judaica, é difundida a partir da tradução dos textos e de tudo que esta tradição integra a partir do Hebraico, um alfabeto belíssimo e de significados muito profundos. A Cabala Ancestral, no entanto, resgata a língua original, o Aramaico Protocananeu. É a partir do Aramaico Protocananeu que os textos, suas interpretações e as referências desta tradição encontram o seu verdadeiro sentido, que está muito afastado da imensa maioria das traduções que conhecemos. Em alguns momentos, as traduções trouxeram termos absolutamente opostos àqueles que constam dos textos antigos. O motivo deste desvio linguístico e de seus significados é sabido, e se encontra dentro das premissas de ordens religiosas, cuja necessidade de controle e manipulação das massas trouxe à tona um deus violento, vingativo, a ideia de demônios e toda sorte de obrigações morais que se fundam em crenças categóricas e absolutas cuja não obediência implica imposição de punições. Um deus que barganha, feito à imagem e semelhança do ser humano. Um exemplo desta deturpação de linguagem é encontrado na Árvore da Vida. Em Aramaico, as duas esferas que em Hebraico são conhecidas com os nomes de Keter e Malchut, são chamadas de Ketur e Malki. Em hebraico, Keter e Malchut significam coroa e reino, respectivamente. Signos de um território onde há reis, coroas, onde a ideia sedentária e monárquica está instalada. Deus é um rei, está em um trono, habita um palácio, um templo. Em Aramaico, Ketur significa desejo potente (além de aroma) e Malki, posse. Ketur é o desejo potente de todo ser humano, um desejo que passaremos a vida inteira na disposição de alcançar, já que ele é o desejo da Luz, de Deus, ou de como você denomine a energia criadora de tudo, o desejo que sonhou e criou tudo que há, um desejo que nosso coração não é capaz de carregar tão facilmente. O desejo doador por excelência. Malki, a posse, é o mundo físico, onde está a ponta final de tudo. Tudo é um desejo para uma posse. Alcançar a essência divina e trazê-la ao mundo físico, é assim devemos percorrer este caminho que existe entre Malki e Ketur. E esta ideia, muito longe da noção de reinos, templos, muros e reinados, é perfeitamente plausível dentro de um contexto de seres humanos nômades, caminhantes, que atravessavam desertos, cuidavam de rebanhos e viviam em tendas, que é o contexto dos personagens do Pentateuco. Outro exemplo de transfiguração da linguagem e de seus símbolos é a letra Dalat. Dalat, em Aramaico, significa porta, entre outras coisas, assim como a sua correspondente posterior em Hebraico, Dalet. A forma das letras denuncia. Em Aramaico, o desenho de Dalat é um triângulo, e em Hebraico, Dalet tem a forma similar ao número sete, e lembra o contorno de uma porta como a conhecemos, com o batente superior e o seu contorno direito. Na Idade do Bronze, época em que o texto bíblico foi escrito, não havia portas com este formato, mas tendas com as aberturas que lembram um triângulo. O estudo da Cabala a partir do Aramaico Protocananeu permite acessar camadas mais profundas da sabedoria, tornando a experiência de vivenciá-la uma aventura potente e transformadora. “Quais são as bases, os fundamentos espirituais e de cosmogênese da Cabala Ancestral a respeito das origens deste alfabeto milenar antigo? Muita gente pergunta por que não estudamos o alfabeto hebraico, e a resposta é porque o alfabeto hebraico veio muito tempo depois. O texto bíblico foi escrito originalmente em aramaico antigo, e todos os personagens do Pentateuco, da Torah, falavam esta língua. Além disto, a tipografia, o desenho das letras hebraicas, com o qual a maioria já está familiarizada e conhece, só surgiu do começo da Idade Média para cá. Então Moises, Abrahão e os demais personagens da Bíblia não conheciam esta representação gráfica das letras hebraicas. O fato é que a grande informação a respeito das letras na Cabala, dentro de qualquer corrente, e de qualquer escola, é que a fonte mais original de informação sobre as letras vem de uma obra chamada Livro da Formação, Sefer Yetzirá em hebraico e Kitawa Yossará em aramaico. Este livro foi escrito pelo patriarca Abrahão, ou seja, Abrahão não conheceu o hebraico como se fala hoje, e muito menos o desenho das letras hebraicas. E quando o Livro da Formação fala sobre a forma das letras e sobre a sua energia, ele não está falando das letras hebraicas, mas das letras em aramaico, porque era este o alfabeto que se conhecia há 3.800 anos atras, que é o período de Abrahão (o final da Idade do Bronze). Essa é uma breve explicação de por qual razão o Aramaico e não o Hebraico. Além disto, sendo o Aramaico a raiz do Hebraico, que assim como outras línguas também veio do aramaico, ele vai no cerne, na raiz, nos aspectos mais essenciais da linguagem”. Ena Shamaena (Eu ouvi) de Mario Meir em aula de Introdução ministrada no curso sobre o Alfabeto Aramaico.

  • Como sempre entendi a poesia como um dos canais pelos quais é possível a aproximação entre o humano e o divino, ou o sagrado (assim como a natureza, a obra de arte, a música, o exercício de amar), intuía que qualquer coisa da vida que viesse revestida de poesia revelava um mistério já conhecido, que vinha sendo sussurrado a ouvidos que não estavam prontos a ouvir desde há muito tempo. Um velho instinto me levou a este caminho e a revelação de que sim, a sabedoria do texto bíblico é de fato um poema. Um poema que se extrai de um conhecimento sobre a experiência mais ancestral, carregado de profundidade e exatamente por isso sagrado, adornado pelo exercício de lembrar (a palavra mais repetida no texto), que nos entrega um mapa psíquico poderoso. Quando passamos a estudar o texto bíblico a partir da língua original, e não através das traduções que em geral conhecemos, conseguimos extrair dele o real significado que, para a surpresa de muitos de nós, não tem absolutamente nada a ver com o que estamos acostumados a receber. “Se não compreendermos o texto bíblico através da lente da Sabedoria Ancestral, ele será um apanhado de textos históricos, incoerentes, cheios de preconceitos, de inverdades, e de violência. Afinal de contas, muitas atrocidades já foram cometidas em nome deste texto, e isso não é novidade para ninguém. (…) O Papel do cabalista é ser o guardião deste tesouro, destes valores, mistérios, desta sabedoria que está ali e que não pode mais ser privada do mundo. A bíblia é um poema. Ela não parece um poema quando a lemos em português, ou inglês, ou qualquer outra língua. Quando a lemos em aramaico antigo, a língua original da tradição dos povos semíticos, descobrimos que é um poema do início ao fim. Ela tem o formato do um poema, é escrita na forma de um poema, ela tem a cadência ritmada de um poema. Ela não é um livro de história, um manual de instrução, teológico, nem mesmo um livro que pretende substituir o pensamento científico. A bíblia é um poema e, como tal, ela é um meio para você chegar a uma essência interior.  É um poema escrito no final da Idade do Bronze, originalmente em aramaico antigo (protocananeu), cheio de duplos sentidos, de códigos, palavras com uma essência ocultada, que estão aparentemente escritas de um jeito não usual, com uma concordância estranha, justamente porque elas estão ali em formato de códigos, e é preciso uma chave para decifrar estas compreensões. Todos os códigos que já foram revelados dentro deste texto são conhecidos, e o trabalho é trazê-los à tona. Este texto fala de grandes códigos da existência humana. A Bíblia fala das tramas do ser humano, da estrutura psíquica do ser humano. Ela fala das virtudes, das sombras humanas e do potencial mais elevado que o ser humano pode atingir, mesmo que diante das dores mais profundas. O texto bíblico é um mapa psíquico. Ele nos ajuda a superar a nossa própria precariedade, nos conduz através do desenvolvimento espiritual”. (Ena Shamaena (eu ouvi) de Mario Meir em aula disponível no Facebook e Youtube: “Puxão da Alma Especial Êxodo”).

  • A experiência mais radical do ser humano é descobrir a sua essência e, com ela, o seu propósito. Essa premissa, estudada e afirmada por Nietzche (com o conselho “Torna-te quem tu és”), e cuja referência também é atribuída à Sócrates e aos oráculos gregos (Conhece-te a ti mesmo), vem a ser um dos pilares que formam a vasta sabedoria da Cabala. De origem proto semítica, a tradição da Cabala contempla um universo de conhecimento e de experimentação tão vasto que a tentativa de explicitar onde ela atua e se concentra, enquadrando-a em alguma área do conhecimento, é vã e até mesmo impossível, sob pena de desconsiderar a sua abrangência. Conhecida mundialmente através e sob a ótica da disseminação que popularizou a Cabala Judaica, cujas bases fundamentais, em boa parte, foram fixadas no período medieval, a Cabala não tem origem em nenhuma religião, e não está atrelada ao Judaísmo. Ela vem muito antes do advento de qualquer movimento religioso, e tem no Pentateuco (5 Livros de Moisés), o seu maior arcabouço de análise (sem ser o único, entretanto, pois há obras ainda mais antigas que a Bíblia que são estudadas pela Cabala, como o Livro da Formação, atribuído a Abrahão, e o Livro de Raziel). O termo Cabala vem do aramaico Kabalta (hebraico Kabalah, por sua vez vindo do verbo Le Kabel), que significa literalmente receber, indicando que o vasto conhecimento que advém de seu estudo propõe a experiência de receber a vida em sua totalidade, integrando tudo que existe, ao propor acesso e compreensão sobre os fios da experiência humana e de como eles se entrelaçam em uma tapeçaria universal, bela e fundamentalmente livre. Muitas vezes atribuída a processos de ordens místicas ou sobrenaturais, o mergulho nesta sabedoria demonstra que muito longe e para além disto, aquele que se dedica a estudar a Cabala está mais para um psicólogo, um terapeuta da vida, do que para um lidador das ciências místicas. A Cabala Ancestral nos devolve o senso de lucidez e coerência para entender que a potência divina, cuja essencialidade muitas religiões entregaram a templos, dogmas e procedimentos obrigatórios, na verdade se revela na lida com o outro e com a natureza, com os animais, rios, mares, montanhas, estrelas, e todo cosmo. Assim, passa-se a compreender o que, de fato é Sagrado. A dinâmica da experiência cabalista é um mergulho profundo e sofisticado na natureza humana, e ocorre, dentre outros modos, através dos estudos dos arquétipos bíblicos, que nos mostram que as personagens e os lugares geográficos que compõem o Pentateuco são na verdade estados de consciência que precisamos desenvolver. A Cabala decifra os códigos da vida e da existência, que são revelados em tom de poesia e de uma canção original e que nos conectam com o que há de mais essencial. Essa Sabedoria recoloca o feminino (para além do gênero) em seu lugar de origem, onde sobre ele há reverência e contemplação. Ao som do poema bíblico que quando decifrado através da língua original com a qual foi escrito nos mostra que em nada se parece com as traduções às quais o mundo em geral tem acesso, a experiência da Cabala nos permite desenvolver a experiência de ver, ouvir e compreender a aventura humana de forma profunda. Ao viver esta experiência há quatorze anos, e tendo passado por diferentes escolas com distintas linhas de pensamento, pelas quais sou profundamente grata, através desta página decidi me propor a revelar o que venho aprendendo na Cabala Ancestral (Kabalta Kianá), o movimento do qual faço parte há mais de quatro anos, e onde decidi experenciar a Tradição da Cabala de forma visceral. A Cabala Ancestral é um movimento revolucionário, e falar sobre ela, mais do que um ato de revolução, é fundamental. Convido a todas, a todos e todes a conhecê-la através daquilo que meu coração, com singeleza e humildade, entende que possa alcançar a quem, como eu, sente que a vida é muito mais do que existir, simplesmente, mas que requer a coragem e a disponibilidade de ser quem se é, e de descobrir qual o nosso propósito na intensa experiência da existência.